segunda-feira, 5 de novembro de 2007

Neura n° 58 - O idiota da aldeia


Que meus amigos não me levem a mal: eu amo a todos os que realmente posso chamar de amigos. Assim como, guardadas as proporções, também amo cada um de meus colegas, amo todas as pessoas que convivem ou já conviveram comigo, e partilharam risos e momentos felizes, ou nem tanto. Mas a verdade é que me sinto terrivelmente sozinho.
Estou cansado de tentar ser profundo e parecer engraçado. De ser a pessoa ao redor de quem todos gostam de se reunir, não porque apreciem o que eu digo ou meu modo de ver o mundo, e sim porque eu devo ser a pessoa mais excêntrica com quem já conviveram, e isso os diverte. Sou o idiota da aldeia, o palhaço, e isso já dura tanto tempo que às vezes é impossível suportar.
O pior de tudo sou eu mesmo. Gosto de ter as pessoas junto de mim, gosto de agradar, fico feliz ao vê-las rindo. Não posso me furtar dessa responsabilidade, eu provoco deliberadamente este tipo de reação. Mas depois, vem a ressaca da diversão alheia. Depois, me sinto violentado por mim mesmo e pelos outros.
Acabo-me, rasgo-me, exponho-me, entrego todas as minhas verdades em troca de algumas boas risadas, de alguma ilusão de amor. É um misto de carência, da necessidade de ser querido, com a vontade de ser compreendido e a esperança de que alguém realmente escute, quem sabe, uma só vez, é isso o que me força a exposição patética das minhas entranhas, do que eu realmente sou, e que parece tão divertido aos olhos das pessoas míopes. Sim, míopes. Infelizmente, a maior parte das pessoas é míope, pelo menos é assim que eu as vejo. Não quero parecer arrogante, nem acredito ser o único louco caminhando sobre a Terra. Esses dias, eu conversei com um amigo que vive longe, de quem eu tanto gosto e com quem eu quase nunca converso, acho que por sermos loucos em proporções parecidas, no final loucos e loucos sequer se entendem. Os loucos se fecham em suas próprias mentes e não enxergam mais nada. Ele estava triste, porque estava sendo julgado por ter a mente mergulhada em caos constante, e até por gostar disso, ah, porque isso vicia mais do que qualquer outra coisa. Eu disse a ele que isso era o que ele tinha de mais belo. Que a maioria das pessoas vivia com a ilusão de óptica de um mundinho colorido, e que poucas, tão poucas tinham o dom de enxergá-lo como ele realmente era. Era difícil enxergar o mundo assim, e por isso as pessoas deviam gostar tanto de viver iludidas, porque a realidade fere. Mas ter essa visão melhorada do mundo não era motivo de vergonha, era um dom, do qual ele deveria se orgulhar. Realmente acredito nisso. Só queria também ouvir isso de alguém, ao menos uma vez. É tão egocêntrico, desejar tanto as minhas próprias palavras. Eu não me suporto.
Voltando ao ponto, ao invés da compreensão e da troca de idéias, vêm os risos humilhantes. Realmente humilhantes. E a eterna sensação de não pertencer àquele lugar, de não pertencer a lugar nenhum. De viver sem pátria, sem porto, de viver errante, buscando por um lugar que talvez nem exista. Onde estão os outros loucos do mundo, se é que sou mesmo um louco? Meus amigos não são intelectuais, mas os intelectuais também me cansam. Porque a maioria deles nem mesmo deveria ser chamada assim. Arrotando a leitura sistemática de livros de que às vezes nem mesmo ouvi falar, repetindo como papagaios os pensamentos alheios, incapazes de pensar por si próprios, de dizerem eles mesmos uma só frase digna de nota. Uma só frase capaz de denotar o peso de um cérebro sobre seus ombros frágeis, recendendo a nicotina. Detesto pseudo-intelectuais. Às vezes também ajo dessa forma, mas só quando quero parecer arrogante e insuportável. Prefiro as pessoas simples por perto, mas estas riem de mim!
Então eu sigo e sigo sempre, errante como um navio pirata, mas sem levar nada de lugar nenhum, pelo contrário. Por onde passo, eu enrosco as minhas vestes, arranho a minha pele e deixo sempre pedacinhos para trás, sempre deixo mais do que levo. Levo somente a ilusão do amor dos amigos, oriunda de suas risadas em uma mesa de bar.
Não acho que ninguém me ame, não é isso. Mas será que, um dia, alguém vai me levar a sério, me apreciar pelo que realmente sou? Já me confortei imaginando que todas as pessoas se sentem assim, que todas as pessoas passam por isso. Já passei muito tempo, na ida e volta do trabalho, a observar todas as pessoas, ou alguém em particular, a imaginar o que lhes passava pela cabeça, do que tinham medo, o que amavam, o que as motivavam, o que as preocupavam, de onde estavam vindo e para onde estavam indo. Que cada pessoa nas ruas cheias, no metrô abarrotado de gente em horário de pico, nos ônibus parados no trânsito caótico, carrega um verdadeiro e infinito universo sobre os ombros. E que isso era, ao mesmo tempo, tão maravilhoso quanto triste, porque é a eterna sentença de solidão. Estamos todos destinados à tristeza de carregar esse fardo, ou o peso deste tesouro tão precioso que é a nossa essência, que é o que realmente somos, e que jamais será integralmente conhecido por ninguém. Em grande parte das vezes, nem mesmo pela própria pessoa. Mas a vida não tem que ser tão triste. Acredito que existam momentos de felicidade, quando um ser vislumbra um pouquinho da essência de outro ser. É certo que nunca seremos completamente desvendados por outro, nem nunca teremos a capacidade de desvendar completamente a alguém, por mais que amemos esta pessoa. Mas um pouco de nós, em alguns momentos, é possível compartilhar. E quando isso acontece de verdade, mesmo que por uma fração de segundos, somos genuinamente felizes. O dilacerante e patético é quando tentamos fazer isso, compartilhar um pouquinho de nós, e recebemos gargalhadas em troca. Vai ver que eu sou mesmo uma piada, a minha vida é uma piada e só eu pareço não me dar conta disso. Vai ver que o míope sou eu.
Gosto de escrever em blogs porque, em um desvario, acredito que quem venha aqui goste da minha forma de pensar. Que este seja um bom canal para dar vazão à minha desesperada necessidade egoísta de compartilhar a mim mesmo. Mas sei que também não é assim. Que muita gente vem aqui porque me acha engraçado também. E não se sintam culpados por isso. Acho que a minha proposta nunca foi parecer sério, só tenho dificuldades em admitir o fato. Parecendo pseudo-intelectual, mas nem tanto porque vou citar um best-seller comunzinho, gosto do título daquela série de livros do Evandro Daolio, "Ria da Minha Vida Antes Que Eu Ria da Sua". Eu nunca li esses livros, mas acho esse título ótimo e que isso cai muito bem aqui. Riam, riam, riam da minha vida. Riam sempre de mim. E fiquem por perto, porque eu realmente preciso de atenção.

Um comentário:

Juliana disse...

eu te amo idiota da aldeia!
e vc me enganou direitinho ...